DIÁLOGO COM ESPÍRITOS SOFREDORES - 1ª parte

Objetivos específicos desse texto:

1. Perceber a importância do estudo da Doutrina Espírita para compreender os sofrimentos que acometem os Espíritos;
2. Saber como os Espíritos são atraídos para as reuniões mediúnicas;
3. Compreender os meios que os encarnados podem ajudar os Espíritos.  

Conteúdo:

Durante quatorze anos, com o auxílio de muitos médiuns, Allan Kardec conversou com Espíritos, investigando e apreendendo as diversas situações em que vivem, consequência direta do estado de progresso espiritual de cada um.

Dentre as milhares de comunicações que Kardec presenciou, e também recebeu através de correspondências, podemos encontrar centenas delas em suas obras, especialmente, nas Revistas Espíritas e no livro O Céu e o Inferno.

De comunicações como as do próprio Jesus, como o "Espírito de Verdade", e de Espíritos superiores e dos inferiores, Kardec nos oferece um estudo minucioso sobre o estado evolutivo dos Espíritos, seus conhecimentos, estado moral, felicidade ou infelicidade, e nos permite perceber a sábia condução dos diálogos, com intenção de melhor aproveitar o saber de uns, as percepções e conselhos de outros, bem como orientar àqueles que necessitavam de esclarecimentos e ajuda, sempre com sua sensatez, seriedade e sabedoria, próprias de sua elevação intelectual e moral.

1. A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO

Investigando a vida após a morte, mediante diversas respostas dadas pelos Espíritos, Allan Kardec nos relata:

O que é o Espiritismo? > Capítulo III — Solução de alguns problemas pela Doutrina Espírita > O homem depois da morte > 145
Estas respostas e todas as relativas à situação da alma depois da morte ou durante a vida não são o resultado de uma teoria ou de um sistema, mas de estudos diretos feitos sobre milhares de indivíduos, observados em todas as fases e períodos da sua existência espiritual, desde o mais baixo ao mais alto grau da escala, segundo seus hábitos durante a vida terrena, gênero de morte etc.[1] 

 De posse de todo esse estudo e saber, Allan Kardec aconselha:

Instruções práticas sobre as manifestações espíritas > Capítulo X - Conselhos aos novatos
“CONSELHOS AOS NOVATOS

O conhecimento da ciência espírita repousa sobre uma convicção moral e uma convicção material. A primeira é adquirida pelo raciocínio; a segunda, pela observação dos fatos. Para o novato seria lógico primeiro ver, depois raciocinar. Infelizmente nem sempre pode ser assim.” b

Kardec continua esse texto esclarecendo que não se pode esperar que as comunicações dos Espíritos sigam uma ordem programada, como se obtém em experimentações nos laboratórios de química e física, visto estar lidando com individualidades que possuem vontade própria, e por isso, muitas vezes, os principiantes não as entendem ou não conseguem fazer conclusões. Depois ele conclui:

“É possível contornar esse inconveniente seguindo marcha contrária, isto é, começando pela teoriaÉ o que aconselhamos a todos quantos queiram seriamente esclarecer-se. Pelo estudo dos princípios da ciência, perfeitamente compreensíveis sem experimentação prática, adquirimos uma primeira convicção moral, que necessita apenas de corroboração pelos fatos.”

O cuidado de Kardec para que os estudos sejam realizados antes das experimentações foi motivo para vários alertas em suas obras, como a seguinte:

“Dissemos que o Espiritismo é toda uma ciência, toda uma filosofia. Quem, pois, seriamente queira conhecê-lo deve, como primeira condição, dispor-se a um estudo sério e persuadir-se de que ele não pode, como nenhuma outra ciência, ser aprendido a brincar.” 

E ainda:

O Livro dos Médiuns ou guia dos médiuns e dos evocadores > Segunda parte — Das manifestações espíritas > Capítulo XVII – Da formação dos médiuns > Desenvolvimento da mediunidade > 211
“Por isso é que indispensável se faz o estudo prévio da teoria, para todo aquele que queira evitar os inconvenientes peculiares à experiência.” 

Os médiuns e todos os que dialogam com os Espíritos, devem estudar a Doutrina Espírita, especialmente os assuntos que têm relação com o estado dos Espíritos após a morte: suas percepções, sensações, sofrimentos, progresso, estado de perturbação espiritual, ocupações, etc.

Um dos conhecimentos mais importantes é sobre o grau evolutivo dos Espíritos. Por isso Kardec alerta:

“Quem estiver bem compenetrado, segundo a escala espírita (O Livro dos Espíritos, nº 100), da variedade infinita que apresentam os Espíritos, sob o duplo aspecto da inteligência e da moralidade, facilmente se convencerá de que há de haver diferença entre as suas comunicaçõesque estas hão de refletir a elevação, ou a baixeza de suas ideias, o saber e a ignorância deles, seus vícios e suas virtudes; que, numa palavra, elas hão de se assemelhar às dos homens, desde os selvagens até o mais ilustrado europeu [2].” 

Allan Kardec orienta o estudo da Doutrina Espírita, e nos aconselha a ordem de leitura dos livros, conforme se encontra em O Livro dos Médiuns, capítulo III - Do Método:

35. Aos que quiserem adquirir essas noções preliminares, pela leitura das nossas obras, aconselhamos que as leiam nesta ordem:
1º O que é o Espiritismo? [...]
2º O Livro dos Espíritos.  [...]
3º O Livro dos Médiuns. [...]
4º A Revista Espírita. [...]

Kardec faz essa listagem em O Livro dos Médiuns, pois, quando este foi publicado em 1861, não havia escrito as demais obras. Fica subentendido que a sequência de leitura a ser seguida é a da ordem cronológica de publicação dos livros.

De forma mais atualizada encontramos na 6ª edição do livro O que é o Espiritismo? publicada em 1865, onde Kardec amplia a lista, que se encontra ao final do Terceiro Diálogo - O Padre:

"Se desta leitura nascer o desejo de continuar, deve-se ler O Livro dos Espíritos, onde os princípios da doutrina estão completamente desenvolvidos; depois, O Livro dos Médiuns, para a parte experimental, destinado a servir de guia aos que desejarem operar por si mesmos, como aos que quiserem bem compreender os fenômenos. Vêm depois as diversas obras onde são desenvolvidas as aplicações e as consequências da doutrina, como: O Evangelho segundo o EspiritismoO Céu e o Inferno segundo o Espiritismo, etc."
"A Revista espírita é, de certa forma, um curso rápido de aplicações, pelos numerosos exemplos e desenvolvimentos que encerra, tanto sobre a parte teórica, quanto sobre a parte experimental."

Em O Livro dos Médiuns Kardec resume o que cada obra aborda, além de dar uma orientação importante a respeito da leitura da Revista Espírita, que diz assim:

O Livro dos Médiuns ou guia dos médiuns e dos evocadores > Primeira parte — Noções preliminares > Capítulo III — Do método > 35
“4º A Revista Espírita. Variada coletânea de fatos, de explicações teóricas e de trechos isolados, que completam o que se encontra nas duas obras precedentes, formando-lhes, de certo modo, a aplicação. Sua leitura pode fazer-se simultaneamente com a daquelas obras, porém, mais proveitosa será, e, sobretudo, mais inteligível, se for feita depois de O Livro dos Espíritos.”

Esclarecemos que a Revista Espírita era publicada em fascículos mensais, escrita por Allan Kardec, que durou de janeiro de 1858 a abril de 1869, portanto doze anos. Esses fascículos mensais são encontrados atualmente agrupados em doze livros, separados por ano de publicação.

Outra observação importante é que a obra que costumamos denominar como O Livro dos Médiuns, intitula-se: O Livro dos Médiuns ou guia dos médiuns e dos evocadores, ou seja, contém a Ciência Espírita com orientações para os médiuns e para todos aqueles que conversam que os Espíritos. Essa orientação estende-se a todo espírita, pois, como o próprio Kardec disse, é “o complemento de O Livro dos Espíritos” (cap. III – Do Método – O Livro dos Médiuns) e deve ser estudado por todos.

2. COMO OS ESPÍRITOS SE APRESENTAM NAS REUNIÕES MEDIÚNICAS.

As comunicações dos Espíritos, que Kardec registrou nas obras fundamentais da Doutrina Espírita, foram obtidas espontaneamente, ou por evocações, ou ainda por Espíritos conduzidos por outros Espíritos.

É oportuno diferenciar essas três formas que os Espíritos se apresentam:

  1. Espontânea: quando os Espíritos se comunicam por livre vontade;
  2. Evocação: quando são solicitados a se apresentarem;
  3. Conduzidos: quando um Espírito conduz outro para se comunicar.

Citamos, para exemplificar, algumas comunicações de cada forma de manifestação acima:

Cenas da vida particular espírita;
Palestras familiares de além-túmulo – Humboldt;
Espíritos felizes – Sixdeniers e O Espírito de Castelnaudary.

3. DEVE-SE CONVERSAR COM OS ESPÍRITOS INFERIORES E SOFREDORES?

Além das comunicações dadas pelos Espíritos elevados, que revelaram os princípios da Doutrina Espírita e todas as consequências morais deles extraídas, Kardec muito conversou e orientou os Espíritos inferiores, principalmente os sofredores, tendo sido orientado a fazê-lo pelos próprios Espíritos superiores que lhe responderam à seguinte pergunta em O Livro dos Espíritos:

O Livro dos Espíritos > Parte quarta — Das esperanças e consolações > Capítulo II — Das penas e gozos futuros > Paraíso, inferno e purgatório. Paraíso perdido. Pecado original. > 1015 [1014]
1015 [1014]. Que se deve entender pela expressão uma alma a penar?
Uma alma errante e sofredora, incerta de seu futuro, e à qual podeis proporcionar o alívio que muitas vezes solicita, vindo comunicar-se convosco.” 

Dessa forma, Kardec recebeu espontaneamente ou evocou, direta ou indiretamente, a muitos Espíritos sofredores nas reuniões mediúnicas da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas[3].

Dizemos indiretamente, porque, ciente da presença de Espíritos inferiores que observavam as reuniões de estudo, Kardec os convidava a se apresentarem, como é descrito no Boletim de registro de uma reunião geral da Sociedade, na Revista Espírita, em dezembro de 1860:

Revista Espírita — Jornal de estudos psicológicos — 1860 > Dezembro > Boletim
“4.º ─ É feito um apelo geral, sem designação especial, aos Espíritos sofredores que possam estar presentes, convidando-os a se identificarem.”

Dessa forma, possibilitava travar conversações com eles, esclarecendo e ajudando-os no que fosse possível.

4.COMO AJUDAR OS ESPÍRITOS SOFREDORES?

Allan Kardec enfatiza sobre como o conhecimento da Doutrina Espírita nos possibilita ajudar os Espíritos sofredores, através do diálogo, inclusive durante o fenômeno da passagem desta vida para a vida espiritual.

O Céu e o Inferno ou a justiça divina segundo o Espiritismo > Segunda parte — Exemplos > Capítulo I - A passagem > 15
“O Espiritismo (...) não tem a pretensão de ser o único a assegurar a salvação da alma, mas ele a facilita pelos conhecimentos que proporciona, os sentimentos que inspira e as disposições nas quais coloca o Espírito, ao qual faz compreender a necessidade de se aperfeiçoar. Ele dá a cada um, além disso, os meios de facilitar o desprendimento dos outros Espíritos no momento em que eles deixam seu envoltório terrestre, e de abreviar a duração da perturbação pela prece e pela evocação. Pela prece sincera, que é uma magnetização espiritual, provoca-se uma desagregação mais rápida do fluido perispiritual; por uma evocação conduzida com sabedoria e prudência, e por palavras de benevolência e de encorajamento, tira-se o Espírito do entorpecimento em que se encontra, e ele é ajudado a se reconhecer mais cedo; se ele é sofredor, é excitado ao arrependimento, único que pode abreviar os sofrimentos.” 

Vejamos como se pode ajudar os Espíritos sofredores pelo diálogo e pela prece:

 4.1.  PELO DIÁLOGO.

Ao estudar sobre obsessão, em O Livro dos Médiuns ou guia dos médiuns e dos evocadores, Kardec pergunta aos Espíritos superiores se nós devemos tentar moralizar um Espírito inferior, através da conversação:

O Livro dos Médiuns ou guia dos médiuns e dos evocadores > Segunda parte — Das manifestações espíritas > Capítulo XXIII – Da obsessão > Meios de a combater > 254
“Sim, é o que não se deve descurar de fazer, porquanto, muitas vezes, isso constitui uma tarefa que vos é dada e que deveis desempenhar caridosa e religiosamente. Por meio de sábios conselhos, é possível induzi-los ao arrependimento e apressar-lhes o progresso.” 

E na obra Instruções práticas sobre as manifestações espíritas Kardec recomenda o diálogo com os Espíritos sofredores a fim de ajudá-los a encontrar a esperança que os levará ao caminho da reparação:

Instruções práticas sobre as manifestações espíritas > Capítulo III - Comunicações espíritas
“Para aquele cuja consciência se acha carregada de erros, para o homem material que pôs todas as suas alegrias na satisfação de seu corpo, para aquele que mal aplicou os favores concedidos pela Providência, é terrível. Sim, esses Espíritos sofrem assim que deixam a vida; sofrem muito e esse sofrimento pode durar tanto quanto a sua vida errante. Tal sofrimento poderá ser apenas moral, mas nem por isso será menos pungente, porque nem sempre lhes é dado ver o seu termo. Sofrem até que um raio de esperança venha brilhar aos seus olhos, e essa esperança podemos fazê-la nascer em conversa com eles. Boas palavras, testemunhos de simpatia são para eles um alívio, para o que podem concorrer os bons Espíritos que chamamos em nosso auxílio, a fim de ajudar as nossas intenções.” 

As intenções a que Kardec se refere é o aprendizado com as experiências alheias, cujos relatos podemos perceber sobre o estado futuro da alma, em decorrência do que se fez enquanto encarnado. Assim ele alerta:

O Livro dos Médiuns ou guia dos médiuns e dos evocadores > Segunda parte — Das manifestações espíritas > Capítulo XXIX – Das reuniões e das Sociedades Espíritas > Rivalidades entre as Sociedades > 350
“Que importa crer na existência dos Espíritos, se essa crença não faz que aquele que a tem se torne melhor, mais benigno e indulgente para com os seus semelhantes, mais humilde e paciente na adversidade? De que serve ao avarento ser espírita, se continua avarento; ao orgulhoso, se se conserva cheio de si; ao invejoso, se permanece dominado pela inveja?” 

4.2.  PELA PRECE

Através dos muitos exemplos de conversação com Espíritos sofredores que Kardec nos disponibiliza a leitura em suas obras, podemos verificar que, em geral, os Espíritos pedem que orem por eles.

No livro O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec nos explica o porquê desses pedidos:

O Evangelho segundo o Espiritismo > Capítulo XXVII - Pedi e obtereis > Da prece pelos mortos e pelos Espíritos sofredores > 18
“18. Os Espíritos sofredores reclamam preces e estas lhes são proveitosas, porque, verificando que há quem neles pense, menos abandonados se sentem, menos infelizes.
Entretanto, a prece tem sobre eles ação mais direta: reanima-os, incute-lhes o desejo de se elevarem pelo arrependimento e pela reparação e, possivelmente, desvia-lhes do mal o pensamento. É nesse sentido que lhes pode não só aliviar, como abreviar os sofrimentos.” 

Também temos a mesma orientação em O Livro dos Espíritos:

O Livro dos Espíritos > Parte terceira — Das leis morais > Capítulo II — 1. Lei de adoração > A prece. > 664
“664. Será útil que oremos pelos mortos e pelos Espíritos sofredores? E, neste caso, como lhes podem as nossas preces proporcionar alívio e abreviar os sofrimentos? Têm elas o poder de abrandar a justiça de Deus?

A prece não pode ter por efeito mudar os desígnios de Deus, mas a alma por quem se ora experimenta alívio, porque recebe assim um testemunho do interesse que inspira àquele que por ela pede, e também porque o desgraçado sente sempre um refrigério, quando encontra almas caridosas que se compadecem de suas dores. Por outro lado, mediante a prece, aquele que ora concita o desgraçado ao arrependimento e ao desejo de fazer o que é necessário para ser feliz. Neste sentido é que se lhe pode abreviar a pena, se, por sua parte, ele secunda a prece com a boa vontade. O desejo de melhorar-se, despertado pela prece, atrai para junto do Espírito sofredor Espíritos melhores, que o vão esclarecer, consolar e dar-lhe esperanças. Jesus orava pelas ovelhas desgarradas, mostrando-vos, desse modo, que culpados vos tornaríeis, se não fizésseis o mesmo pelos que mais necessitam das vossas preces.” 

Esse tema é complementado no Texto: DIÁLOGO COM ESPÍRITOS SOFREDORES - 2

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Obras utilizadas:

1.       O Livro dos Espíritos

2.       A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo

3.       Revista Espírita - Jornal de estudos psicológicos

4.    Instruções Práticas sobre as manifestações espíritas.

5.    O Evangelho segundo o Espiritismo

6.    O que é o Espiritismo

7.    O Livro dos Médiuns

8.    O Céu e o Inferno

  



[1] Todos os grifos são nossos.

[2] No século XIX a Europa era considerada como o continente de maior civilização e cultura mundiais.

[3] Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (SPEE) – Centro de estudos e observações que Allan Kardec fundou.