ESPIRITISMO KARDECISTA?

Por que algumas pessoas se referem a “Espiritismo Kardecista”? 

O primeiro motivo está na razão de que algumas religiões também se autodenominam “Espiritismo”, e por isso, para diferenciar as crenças, a cultura popular acabou agregando o adjetivo “Kardecista”, palavra derivada de “Kardec”, para se referir ao Espiritismo escrito por Allan Kardec.

O segundo motivo é que algumas pessoas atribuem a Allan Kardec a autoria exclusiva do Espiritismo.

Quem está certo? Um, outro, ambos, ou nenhum dos dois?

Iniciemos a análise do primeiro motivo com a definição de Espiritismo nas próprias palavras de Allan Kardec:

“Podemos defini-lo assim: O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal.”

Essa definição, quando bem compreendida, nos transporta ao imenso campo das questões da nossa existência e de todas as consequências que a isso nos conduz. Todas as leis que regem o Espírito, tudo sobre sua existência imortal, sobre todo o propósito de Deus ao nos criar e de tudo o que diz respeito à interação do mundo material e espiritual. É a maior e mais perfeita filosofia da humanidade. E verdadeira, porque é expressão do pensamento divino.

Porém, muitas pessoas entendem que o Espiritismo tem como único propósito estabelecer as manifestações dos Espíritos e o mundo material. Realmente esse é um dos seus princípios, o primeiro princípio estabelecido, o princípio que Deus se utilizou para revelar à humanidade Suas Verdades em forma de doutrina.

Sabemos assim que a Comunicação com os Espíritos é um dos fundamentais princípios do Espiritismo, o qual possibilitou que este fosse recebido, estudado, compreendido e revelado à humanidade. Também sabemos que os fenômenos de comunicação entre os Espíritos e os homens ocorreram em todas as épocas da humanidade e que esse fenômeno é uma lei da natureza. Então perguntamos: Se esse fenômeno de comunicação entre Espíritos e homens existe desde sempre, não é de direito que outras crenças, que também praticam a comunicação com os Espíritos, utilizem o termo “Espiritismo”?

Vejamos nas palavras de Allan Kardec, no primeiro parágrafo da Introdução da primeira obra da Doutrina Espírita, que é O Livro dos Espíritos, as definições que ele criou ao concretizar, através da escrita, todo o trabalho de observação, pesquisa, reflexão e conclusões desta doutrina:

"Para se designarem coisas novas são precisos termos novos. Assim o exige a clareza da linguagem, para evitar a confusão inerente à variedade de sentidos das mesmas palavras. (...) Quem quer que acredite haver em si alguma coisa mais do que matéria, é espiritualista. Não se segue daí, porém, que creia na existência dos Espíritos ou em suas comunicações com o mundo visível. Em vez das palavras espiritual, espiritualismo, empregamos, para indicar a crença a que vimos de referir-nos, os termos espírita e espiritismo, que possuem o mesmo radical e que, por isso mesmo, apresentam a vantagem de ser perfeitamente inteligíveis, deixando ao vocábulo “espiritualismo” a acepção que lhe é própria. Diremos, pois, que a doutrina espírita ou o Espiritismo tem por princípio as relações do mundo material com os Espíritos ou seres do mundo invisível. Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas, ou, se quiserem, os espiritistas.”

Percebamos que os termos “espírita”, “espiritismo”, “espíritas” e “espiritistas” foram usados e/ou criados por Allan Kardec.  Ele utilizou a palavra “Espiritismopara denominar a nova doutrina, portanto, nenhuma outra crença deveria utilizá-lo, mesmo que essa crença também possua o princípio da comunicação dos Espíritos.

O impedimento tem base no fato de  não ser a comunicação com os Espíritos o único princípio da Doutrina Espírita. Além deste, o Espiritismo possui outros princípios, como: Deus, Imortalidade da alma, Reencarnação, Pluralidade dos mundos habitados e a Evolução dos Espíritos, princípios estes que compõem os fundamentos da Doutrina Espírita.

Qualquer outra crença que abrace todos esses princípios se funde com o Espiritismo e nada a poderia impossibilitar de usar este nome, pois que a essência de ambas estaria alicerçada sobre as mesmas leis. Porém, usar o termo “Espiritismo” para denominar crenças que não possuem os mesmos princípios básicos é indevido e incorreto.

Se isso fosse obedecido, a Doutrina Espírita seria apenas “Espiritismo” e não Espiritismo Kardecista, pois não foi este o nome que lhe foi dado por Allan Kardec. Porém, a realidade é que o nome “Espiritismo” já está tão disseminado na denominação para algumas religiões, que muito difícil será que deixem de utilizá-lo. Contudo, cabe a nós, espíritas, tentar corrigir e explicar, sempre que possível, a indevida utilização, mesmo sendo cansativo, e, sobretudo, não chamar a Doutrina Espírita de “Espiritismo Kardecista”, pois este não é o seu nome.

Vejamos agora o segundo motivo que induz algumas pessoas a usarem o nome “Espiritismo Kardecista”.

É comum se ouvir em palestras públicas alguns expositores assim se expressarem: “a doutrina de Kardec”, “as obras de Kardec”, “Kardec disse”, “Kardec nos ensinou”, etc. E não poucas pessoas, leigas, ou que pouco estudaram a doutrina, imaginam que Kardec foi o autor absoluto das 23 obras por ele escritas. Por outro lado, sabemos também que muitos têm a ideia equivocada de que Kardec foi aquele erudito que ficou perguntando aos Espíritos e anotando as respostas.

Informamos que Kardec não foi autor absoluto e nem tampouco foi autor passivo do Espiritismo.

Vejamos o que o próprio Kardec nos diz sobre a sua participação na elaboração da Doutrina Espírita.

        A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo > A Gênese > Capítulo I — Caráter da revelação espírita > 45

"O nosso papel pessoal, no grande movimento de ideias que se prepara pelo Espiritismo e que começa a operar-se, é o de um observador atento, que estuda os fatos para lhes descobrir a causa e tirar-lhes as consequências. Confrontamos todos os que nos têm sido possível reunir, comparamos e comentamos as instruções dadas pelos Espíritos em todos os pontos do globo e depois coordenamos metodicamente o conjunto; em suma, estudamos e demos ao público o fruto das nossas indagações, sem atribuirmos aos nossos trabalhos valor maior do que o de uma obra filosófica deduzida da observação e da experiência, sem nunca nos considerarmos chefe da doutrina, nem procurarmos impor as nossas ideias a quem quer que seja. Publicando-as, usamos de um direito comum e aqueles que as aceitaram o fizeram livremente. Se essas ideias acharam numerosas simpatias, é porque tiveram a vantagem de corresponder às aspirações de avultado número de criaturas, mas disso não colhemos vaidade alguma, dado que a sua origem não nos pertence. O nosso maior mérito é a perseverança e a dedicação à causa que abraçamos.”

Esse é o sábio, humilde e muito admirado Allan Kardec! Um Espírito superior encarnado em missão no nosso planeta para receber esse vasto e grandioso material trazido pelos Espíritos, para organizar, investigar, completar e elaborar as valiosas obras fundamentais da Doutrina Espírita.   

Allan Kardec realizou com perfeição seu trabalho de missionário. Um trabalho que ele desenvolveu ininterruptamente, durante 14 anos, nos quais algumas vezes comprometera a saúde com tanto trabalho. Dormia pouco, trabalhava muito. Sua fé raciocinada, baseada no conhecimento e na lógica encantadora das leis que regem o Espírito, e a alegria que o Espiritismo imprimiu em sua alma, o impulsionara a jamais negligenciar a tarefa e jamais se abater com críticas e detratores. Trabalhara até seu último momento de vida.

A missão de Allan Kardec não poderia ser confiada a nenhum Espírito de ordem menos elevada. Kardec é um Espírito tão superior, que tinha o próprio Espírito de Verdade como seu guia espiritual, como Este mesmo anunciara.

O Espiritismo veio através de Espíritos superiores, enviados por Deus, mas foi o trabalho de Kardec que possibilitou a perfeição da obra.

Assim, sabedores do trabalho que lhe coube, não podemos nos referir a “Espiritismo Kardecista”, para inferir a Kardec a sua total autoria, pois isso não é correto. O Espiritismo é a revelação divina trazida pelos Espíritos cujo trabalho o homem concretizou.

O que podemos é honrar o Espiritismo, essa doutrina divina, agradecendo a Deus e a todos que a tornaram possível, estudando-a, compreendendo-a e, principalmente, praticando-a, sem esquecer jamais da grandeza que a palavra “Espiritismo” encerra. Empreguemo-la corretamente, com respeito e gratidão em nossos corações.