O SURGIMENTO DO MAL EM NÓS


O Espiritismo trouxe elucidações filosóficas de importância fundamental para a compreensão da existência humana. Questões primordiais como a nossa origem, o propósito da vida, o nosso destino após a morte são algumas que os Espíritos esclareceram nesta doutrina de revelação divina.

Essas questões são abordadas nas obras fundamentais do Espiritismo, que são os vinte e três livros escritos pelo missionário Allan Kardec, obtidos através do seu valioso trabalho, realizado com perfeição, durante quatorze anos de observações, comunicações e ensinamentos dos Espíritos. E, fato primordial, sob a orientação maior do Espírito puro, dirigente espiritual do nosso planeta, o Mestre da nossa humanidade, Jesus, que se identifica em mensagens como O Espírito de Verdade.

É nessas obras que nos baseamos para trazer o estudo sobre tema tão importante e fundamental, que nos dá uma amostra da infinitude da bondade e justiça de Deus.

Vejamos incialmente sobre a nossa origem, em O Livro dos Espíritos, questão 81[1]:

“Os Espíritos se formam espontaneamente, ou procedem uns dos outros?
Deus os cria, como a todas as outras criaturas, pela sua vontade [2].”

E é sobre a criação do Espírito que Kardec faz uma observação na Revista Espírita de maio de 1861[3]:

“Os Espíritos[4] saem das mãos do Criador simples e ignorantes, mas nem são bons, nem maus, pois do contrário, desde a sua origem, Deus teria votado uns ao bem e à felicidade, e outros ao mal e à desgraça, o que não estaria em concordância nem com a sua bondade, nem com a sua justiça.”

O ser simples e ignorante, que não é bom nem mau, expressa a condição de desconhecimento de qualquer coisa, ou seja, o Espírito, no início da sua existência, não possui qualquer conhecimento, saber, virtudes, vícios, nem sequer o livre-arbítrio.

ØComo o Espírito conquistou o LIVRE ARBÍTRIO?

Vejamos um texto, constante na Revista Espírita de janeiro de 1864[5], que esclarece exatamente essa questão:

“Progresso nas primeiras encarnações.

"Ignoramos absolutamente em que condições se dão as primeiras encarnações da alma, porque é um dos princípios das coisas que estão nos segredos de Deus. Apenas sabemos que são criadas simples e ignorantes, tendo todas, assim, o mesmo ponto de partida, o que é conforme à justiça. O que também sabemos é que o livre-arbítrio só se desenvolve pouco a pouco, e após numerosas evoluções na vida corpórea. Não é, pois, nem após a primeira, nem após a segunda encarnação que a alma tem consciência bastante nítida de si mesma para ser responsável por seus atos. Pode ser que só aconteça após a centésima ou talvez após a milésima.

(...) “Durante longos períodos, a alma encarnada é submetida à influência exclusiva do instinto de conservação. Pouco a pouco esses instintos se transformam em instintos inteligentes, ou melhor, se equilibram com a inteligência, e só mais tarde, e sempre gradativamente, a inteligência domina os instintos. Só então é que começa a séria responsabilidade.

Apreendemos deste texto que o Espírito, em suas centenas ou milhares de encarnações, enquanto “simples e ignorante”, substitui aos poucos os instintos materiais pelos inteligentes até desenvolver a inteligência o suficiente para agir com livre arbítrio. É a partir deste momento que o Espírito pode ser responsabilizado por suas escolhas. Só então pode ter a culpa do mal praticado ou o mérito do bem realizado.

Antes de avançarmos nesta linha do tempo com o estudo do surgimento do mal em nós, é importante ainda fazer algumas considerações a respeito dessa fase inicial do Espírito.

Os Espíritos simples e ignorantes, por não terem ainda responsabilidade dos seus atos, não podem ser classificados como maus, embora sejam Espíritos selvagens e vivam em mundos primitivos, destinados às primeiras encarnações da alma, onde imperam os instintos e vivem com o objetivo único de sobrevivência. Vejamos o texto seguinte constante da Revista Espírita de junho 1863[6], que esclarece sobre a isenção do mal nos atos dos Espíritos primitivos, exatamente por agirem sob o domínio do instinto de conservação:

(...) “Criado simples e ignorante, o Espírito está, em sua origem, num estado de nulidade moral e intelectual, como a criança que acaba de nascer. Se não fez o mal, também não fez o bem; não é feliz nem infeliz; age sem consciência e sem responsabilidade.”

Portanto, se o Espírito em sua condição de simples e ignorante age sem consciência e sob o domínio do instinto de conservação, não pode lhe ser atribuída a responsabilidade do bem ou do mal que fizer.

Ø E o que é a CONSCIÊNCIA?

Aprendemos na Doutrina Espírita que a consciência é onde estão “escritas” as leis de Deus [7]. Entretanto, devemos entender que estas leis nós vamos “escrevendo” à proporção que as aprendemos, pois fomos criados sem nenhum saber.

Encontramos a seguinte definição de “consciência” em O que é o Espiritismo, cap III, item 127 [8]:

“Qual a origem do sentimento a que chamamos consciência?
É uma recordação intuitiva do progresso feito nas precedentes existências e das resoluções tomadas pelo Espírito antes de encarnar, resoluções que ele, muitas vezes, esquece como homem.”

Este esclarecimento é de extrema importância. Oferece duas grandes reflexões. Vejamos a primeira:

1.   A CONSCIÊNCIA SE FORMA MEDIANTE O PROGRESSO (APRENDIZADO GRADUAL DAS LEIS DE DEUS), ADQUIRIDO EM NOSSAS ANTERIORES EXISTÊNCIAS CORPÓREAS E PELAS RESOLUÇÕES QUE TOMAMOS NO MUNDO ESPIRITUAL.

Este é o motivo pelo qual, no período em que éramos simples e ignorantes, não podíamos ser responsabilizados pelos atos selvagens praticados contra os semelhantes, visto que não tínhamos a consciência de que estes podiam ser contra as leis de Deus, pois ainda não as tínhamos aprendido.

Retornando à linha do tempo, onde o Espírito está apto a fazer suas escolhas, encontramos a seguinte frase de Kardec no livro A Gênese, cap XI, item 23 [9]:

“Sem, pois, pesquisarmos a origem do Espírito, sem procurarmos conhecer as fieiras pelas quais haja ele, porventura, passado, tomamo-lo ao entrar na humanidade, no ponto em que, dotado de senso moral e de livre-arbítrio, começa a pesar-lhe a responsabilidade dos seus atos.”

Kardec se refere exatamente ao ponto em que o Espírito está apto a fazer sua primeira escolha e iniciar sua caminhada de progresso. Notemos que um elemento novo aparece nesta frase: o senso moral, que, ao lado do livre-arbítrio faculta o Espírito a assumir a responsabilidade de seus atos

Os Espíritos esclarecem em O Livro dos Espíritos, questão 754 [10], que o senso moral existe no homem como um princípio. Em outro texto, que encontramos na Revista Espírita de agosto de 1867[11], diz que “o senso moral é, propriamente falando, a consciência.”

Uma reflexão que podemos fazer é que, neste ponto da caminhada do Espírito, a que Kardec se refere como “ao entrar na humanidade”, ele deve deixar os mundos primitivos para encarnar em mundos de provas, dando início à realização de suas provas.

Assim, podemos considerar que, num mundo de provas, o Espírito possui inteligência, livre-arbítrio e senso moral suficientes para guiar-lhe nas escolhas em conformidade às leis de Deus. Isso é lógico, visto que Deus, infinitamente justo, não responsabilizaria o Espírito por usar o livre-arbítrio ao acaso, na realização de suas provas, e falir em suas escolhas.

Então, questionamos:

ØQuando o Espírito possui o mínimo necessário de consciência para poder escolher acertadamente?

As seguintes questões de O Livro dos Espíritos, questão 262 [12], no capítulo da Escolha das provas elucidam estas perguntas.  Vejamos:

"262. Como pode o Espírito, que, em sua origem, é simples, ignorante e carecido de experiência, escolher uma existência com conhecimento de causa e ser responsável por essa escolha?
Deus lhe supre a inexperiência, traçando-lhe o caminho que deve seguir, como fazeis com a criancinha. Pouco a pouco, porém, à medida que o seu livre-arbítrio se desenvolve, deixa-o senhor de proceder à escolha. (...).” 

Podemos entender que temos nossas primeiras existências escolhidas/traçadas por Deus, que nos conduzirão por experiências iniciais, a fim de desenvolvermos a inteligência, adquirindo um aprendizado suficiente até o momento em que conquistamos a capacidade de escolher livremente, com a consciência obtida desse aprendizado inicial conduzido por Deus.

Esse é o ponto que Kardec se referiu ao considerar o estudo do Espírito a partir de quando este entra na humanidade capaz de assumir a responsabilidade de seus atos.

Encontramos no mesmo capítulo de Escolha das Provas, em O Livro dos Espíritos, na resposta à questão 258.a [13], outro esclarecimento sobre quando Deus deixa ao Espírito a responsabilidade de fazer suas escolhas e as suas consequências:

“Dando ao Espírito a liberdade de escolher, Deus lhe deixa a inteira responsabilidade de seus atos e das consequências que estes tiverem. Nada lhe estorva o futuro; abertos se lhe acham, assim, o caminho do bem, como o do mal.

É assim que Deus nos deixa fazer nossas próprias escolhas, após conduzir-nos por um período de experiências, que nos desenvolve o livre arbítrio, que é a capacidade de pensarmos com inteligência, ao mesmo tempo que despontamos com o princípio do senso moral. Tudo isso nos capacita a tomar decisões baseadas no aprendizado inicial que fazemos das leis de Deus, armazenando-os em nossa consciência recém-iniciada, para podermos ser responsáveis pela causa do bem ou do mal que causarmos.

Então, se temos condições suficientes de inteligência e senso moral para livremente escolher, perguntamos: O que nos faz provocar o mal em detrimento da consciência?

Esta é a segunda reflexão que fazemos da questão 127 do livro O que é o Espiritismo, transcrita acima. Vejamos:

2.     O ESQUECIMENTO DA CONSCIÊNCIA ENQUANTO ENCARNADOS.

Façamos inicialmente uma pertinente indagação: Por que precisamos encarnar? Não poderíamos evoluir apenas no mundo espiritual, que é o mundo normal do Espírito?

Vejamos a resposta para esse questionamento descrita no livro O Evangelho segundo o Espiritismo, cap IV, item 25[14]:

“A passagem dos Espíritos pela vida corporal é necessária para que eles possam cumprir, por meio de uma ação material, os desígnios cuja execução Deus lhes confia. É-lhes necessária, a bem deles, visto que a atividade que são obrigados a exercer lhes auxilia o desenvolvimento da inteligência.”

ØQuais ações temos que exercer nos mundos materiais?

Em A Gênese, cap XI, item 24 [15], temos:

“A obrigação que tem o Espírito encarnado de prover ao alimento do corpo, à sua segurança, ao seu bem-estar, o força a empregar suas faculdades em investigações, a exercitá-las e desenvolvê-las. Útil, portanto, ao seu adiantamento é a sua união com a matéria. Daí o constituir uma necessidade a encarnação.”

A ação sobre a matéria nos coloca sob as leis divinas, como a de conservação, de trabalho, de sociedade, de igualdade etc., possibilitando-nos desenvolver a inteligência, cumprir as provas e, consequentemente, progredirmos moralmente, pelo aprendizado e compreensão dessas leis.

Ø A ação do Espírito sobre a matéria é sempre salutar para seu desenvolvimento?

Na Introdução de O Livro dos Espíritos, item VI [16], Kardec lista os pontos principais do Espiritismo e cita o seguinte:

O Espírito encarnado se acha sob a influência da matéria; o homem que vence essa influência, pela elevação e depuração de sua alma, se aproxima dos Espíritos bons, com os quais um dia estará. Aquele que se deixa dominar pelas más paixões, e põe todas as suas alegrias na satisfação dos apetites grosseiros, se aproxima dos Espíritos impuros, dando preponderância à natureza animal.”

Portanto, a ação sobre a matéria nos possibilita conhecer as leis de Deus, contudo, essa mesma matéria, exercendo influência sobre nós, pode nos despertar “apetites grosseiros”, se nos deixarmos dominar pelas “más paixões”.

Ø O que são APETITES GROSSEIROS?

Vejamos as questões do capítulo sobre a Lei de Conservação, em O Livro dos Espíritos [17]:

“712. Com que fim pôs Deus atrativos no gozo dos bens materiais?
“Para instigar o homem ao cumprimento da sua missão e para experimentá-lo por meio da tentação.”

 “712. a) Qual o objetivo dessa tentação?

“Desenvolver-lhe a razão*, que deve preservá-lo dos excessos**.”

*A razão é resultado da inteligência quando aplicada conforme a consciência.
**Excessos em relação ao uso da matéria.

Nota de Kardec à questão 712.a:

“Se o homem só fosse instigado a usar dos bens terrenos pela utilidade que têm, sua indiferença teria talvez comprometido a harmonia do universo. Deus imprimiu a esse uso o atrativo do prazer, porque assim é o homem impelido ao cumprimento dos desígnios providenciais. Mas, além disso, dando àquele uso esse atrativo, quis Deus também experimentar o homem por meio da tentação que o arrasta para o abuso, de que deve a razão defendê-lo.”

Observação: Impelir o homem para o cumprimento dos desígnios de Deus são as provas pelas quais passamos durante as encarnações a fim de cumprirmos a Lei de Progresso.

Continuando no mesmo capítulo, vejamos a questão 713:

“Traçou a natureza limites aos gozos?
Traçou, para vos indicar o limite do necessário. Mas, pelos vossos excessos, chegais à saciedade e vos punis a vós mesmos.”

Comentário de Kardec à questão 714:

“O homem que procura nos excessos de todo gênero o requinte do gozo coloca-se abaixo do animal, pois que este sabe deter-se, quando satisfeita a sua necessidade. Tal homem abdica da razão que Deus lhe deu por guia, e quanto maiores forem seus excessos, tanto maior preponderância ele atribui à sua natureza animal sobre a sua natureza espiritual.”

Portanto, a influência da matéria pode despertar em nós os apetites grosseiros, que são os prazeres em excesso que introduzimos em nossa vida, através do uso excessivo dos bens terrenos, que nos faz ESQUECER, quando encarnados, o aprendizado adquirido e armazenado na consciência, bem como as resoluções que tomamos antes de encarnar, ou seja, as nossas resoluções para vencer as provas escolhidas. É a negligência à voz da consciência. 

Continuemos com a questão sobre o porquê escolhemos errado e o porquê abusamos dos bens terrenos. Para isso introduziremos um tema essencial para essa compreensão: As Paixões.

Ø O que são as PAIXÕES?

Kardec nos traz noções básicas a respeito do que são as paixões em O Livro dos Espíritos, questões sobre as PAIXÕES [18]:

“908. As paixões nascem principalmente das necessidades do corpo e dependem, mais do que o instinto, do organismo. O que, acima de tudo, as distingue do instinto é que são individuais e não produzem, como este último, efeitos gerais e uniformes; variam, ao contrário, de intensidade e de natureza, conforme os indivíduos.

Importante refletir que, se tivéssemos que sempre suprir nossas necessidades através do instinto não desenvolveríamos a inteligência. A paixão é o princípio providencial que Deus colocou em nós que desperta sentimentos/desejos que objetivam ações a fim de satisfazer nossas necessidades naturais, com o uso da inteligência e do livre-arbítrio, e, por esse motivo, varia de intensidade e natureza para cada indivíduo. A paixão é o móvel providencial de Deus que nos impele ao uso racional da matéria durante nosso processo evolutivo.

Vejamos o que mais Kardec nos traz neste capítulo sobre as paixões:

“907. Será intrinsecamente mau o princípio originário das paixões, embora esteja na natureza?
“Não; a paixão* está no excesso de que se acresceu à vontade, visto que o princípio que lhe dá origem foi posto no homem para o bem, tanto que as paixões podem levá-lo à realização de grandes coisas. O abuso que delas se faz é que causa o mal.

*Como veremos abaixo, essa referência está relacionada à “má paixão”, ou “à paixão propriamente dita”, e não ao princípio providencial das paixões ou das boas paixões.

“908. Como se poderá determinar o limite onde as paixões deixam de ser boas para se tornarem más?
“As paixões são como um corcel, que só tem utilidade quando governado, e que se torna perigoso quando passa a governar. Uma paixão se torna perigosa a partir do momento em que deixais de poder governá-la, e que dá em resultado um prejuízo qualquer para vós mesmos ou para outrem.
“As paixões são alavancas que decuplicam as forças do homem e o auxiliam na execução dos desígnios da Providência. Mas se, em vez de as dirigir, deixa que elas o dirijam, cai o homem nos excessos e a própria força que, manejada pelas suas mãos, poderia produzir o bem, contra ele se volta e o esmaga.

“Todas as paixões têm seu princípio num sentimento ou necessidade natural [19]. O princípio das paixões não é, assim, um mal, pois que assenta numa das condições providenciais da nossa existência. A paixão propriamente dita é a exageração de uma necessidade ou de um sentimento. está no excesso e não na causa, e este excesso se torna um mal quando tem como consequência um mal qualquer.”

Podemos, então, resumir sobre o que realmente causa o mal:

· OS APEPITES GROSSEIROS CAUSADOS PELA NÃO RESISTÊNCIA À INFLUÊNCIA DA MATÉRIA.

·  O EXCESSO QUE A VONTADE ACRESCE AO PRINCÍPIO PROVIDENCIAL DAS PAIXÕES.

·  O ABUSO DE UMA NECESSIDADE OU SENTIMENTO, RESULTANDO EM MÁS ESCOLHAS.

Esse abuso cometido pela primeira vez é o que simboliza a queda do homem. O momento primeiro em sua caminhada evolutiva em que desatende à consciência, fazendo mal uso do seu livre-arbítrio e cometendo erro em uma ação qualquer. Mal que comete contra ele próprio e/ou ao seu semelhante. Mal que o desvia do caminho do bem.

É o que encontramos na resposta à questão 122 de O Livro dos Espíritos [20]:

“O livre-arbítrio se desenvolve à medida que o Espírito adquire a consciência de si mesmo. Já não haveria liberdade, se a escolha fosse determinada por uma causa independente da vontade do Espírito. A causa não está nele, está fora dele, nas influências a que cede em virtude da sua livre vontade. É o que se contém na grande figura emblemática da queda do homem e do pecado original: uns cederam à tentação, outros resistiram.”

Aproveitamos o assunto para trazer um entendimento equivocado, no meio espírita, sobre a ideia de que todos os Espíritos passam pela Terceira ordem da Escala Espírita, ou seja, a dos Espíritos Imperfeitos, caracterizados por possuírem vícios morais, consequências de suas más escolhas. No capítulo sobre a Progressão dos Espíritos, em O Livro dos Espíritos [21], vamos compreender que essa situação da “queda do homem” ou do primeiro erro cometido, erro que desvia o Espírito do caminho reto do bem, não acontece obrigatoriamente para todos os Espíritos, ou seja, nem todos os Espíritos passam pela Terceira ordem da Escala espírita. O Espírito pode progredir sem nunca ter feito uma má escolha, sem nunca ter feito o mal.

Segundo as características das três ordens da Escala Espírita em O Livro dos Espíritos [22], temos:

·       Terceira ordem. – Espíritos imperfeitos.
101. Características gerais. – Predominância da matéria sobre o espírito. Propensão para o mal. Ignorância, orgulho, egoísmo e todas as paixões que lhes são consequentes.
 
·       Segunda ordem. – Espíritos bons.
107. Características gerais. – Predominância do espírito sobre a matéria; desejo do bem. Suas qualidades e poderes para o bem estão em relação com o grau de adiantamento que haja alcançado; uns têm a ciência, outros a sabedoria e a bondade.
 
·       Primeira ordem. – Espíritos puros.
112. Características gerais. – Nenhuma influência da matéria. Superioridade intelectual e moral absoluta, com relação aos Espíritos das outras ordens.

De posse dessas características vejamos agora o esclarecimento dado por Kardec e os Espíritos, neste mesmo capítulo, sobre progredir sempre no caminho do bem:

“124. Pois que há Espíritos que desde o princípio seguem o caminho do bem absoluto e outros o do mal absoluto, deve haver, sem dúvida, gradações entre esses dois extremos, não?
Sim, certamente; os casos intermediários constituem a grande maioria.”

Essa resposta é isenta de ambiguidade. Ela deixa claro que o Espírito, capaz de decidir e fazer escolhas, pode:

  • Nunca errar nas provas; nunca ser considerado Espírito imperfeito da Terceira ordem e permanecer sempre no caminho reto do bem até ser considerado Espírito bom;
  • Errar na primeira prova ou em provas posteriores; entrar na Terceira ordem e ser considerado Espírito imperfeito; desviar-se do caminho do bem e atrasar-se no caminho que o levará ao estado de Espírito bom.

Vencer a influência da matéria é progredir, é agir com CONSCIÊNCIA. Vencer essa influência é educar os sentimentos e desejos para não adquirir e desenvolver as más paixões, ou mesmo para eliminar as que já adquirimos ao longo de encarnações passadas. É resistir às más paixões, à influência da matéria, às tentações.

É sobre essa resistência, essa vontade, esse esforço em resistir as tentações, que Jesus nos dá o ensinamento da porta estreita. Passar pela porta estreita exige obediência, abnegação, resignação e esforço para controlar as paixões e não deixar que elas nos controlem. Passar pela porta larga é não resistir às paixões e ceder aos desejos descontrolados, adquirindo vícios morais.

Só com as provas materiais, quando encarnados, progredimos na escala evolutiva* à proporção que vencemos a influência da matéria. É o processo de desmaterialização que acontece à proporção que resistimos aos desejos e sentimentos próprios das más paixões.

*Escala evolutiva é a escala de progresso e não a escala espírita.

Vejamos o seguinte texto de Allan Kardec, contido em A Gênese, cap. XI, item 26 [23]:

“À medida que progride moralmente, o Espírito se desmaterializa, isto é, depura-se, com o subtrair-se à influência da matéria; sua vida se espiritualiza, suas faculdades e percepções se ampliam; sua felicidade se torna proporcional ao progresso realizado. Entretanto, como atua em virtude do seu livre-arbítrio, pode ele, por negligência ou má vontade, retardar o seu avanço.”

Encontramos a mesma essência desse ensinamento na instrução seguinte da Revista Espírita – agosto de 1867 [24]:

“Como sabeis, cada ser tem a liberdade do bem e do mal, o que chamais de livre-arbítrio. O homem tem em si sua consciência que o adverte quando fez o bem ou fez o mal, cometeu uma ação má ou negligenciou de fazer o bem; sua consciência que, como guarda vigilante encarregada de velar por ele, aprova ou desaprova sua conduta. Muitas vezes acontece que ele se mostre rebelde à sua voz, que repila as suas inspirações; que queira abafá-la pelo esquecimento, mas nunca ela é completamente aniquilada para que num dado momento não desperte mais forte e mais poderosa e não exerça um severo controle de vossas ações.”

E a questão 115 de O Livro dos Espíritos [25], resume, impecavelmente, o plano de Deus para todos nós:

“115. Dos Espíritos, uns terão sido criados bons e outros maus?
“Deus criou todos os Espíritos simples e ignorantes, isto é, sem saber. A cada um deu determinada missão, com o fim de esclarecê-los e de os fazer chegar progressivamente à perfeição, pelo conhecimento da verdade, e para aproximá-los de si. Nesta perfeição é que eles encontram a pura e eterna felicidade. Passando pelas provas que Deus lhes impõe, os Espíritos adquirem aquele conhecimento. Uns aceitam submissos essas provas e chegam mais depressa ao seu destino final. Outros só as suportam murmurando e assim, por sua culpa, permanecem afastados da perfeição e da prometida felicidade.”

A verdade são as leis de Deus, que regem Sua criação (o universo físico e moral).

A submissão é o cumprimento às leis de Deus. É o esforço para resistirmos às más influências. É a passagem pela porta estreita.

O murmúrio se traduz na rebeldia às leis de Deus, à entrada pela porta larga, pela aquisição de más paixões, pelas escolhas erradas e pela negligência à consciência. É assim que passamos a ser considerados Espíritos Imperfeitos.

Aos Espíritos Imperfeitos, vivendo em um mundo de expiações e provas, devido aos vícios morais, como inveja, ciúme, raiva, egoísmo, vaidade, avareza, mentira, mágoa, deslealdade, etc., cabe todo o esforço necessário, a custo de toda resignação, lutar e vencer seus vícios, na certeza de que nossa vida futura será mais ou menos feliz mediante o que nesta vida conquistarmos de virtudes e conhecimentos.

Seguem dois textos que resumem a nossa caminhada de progresso, plano divino para todos nós:

1. Complemento do texto da Revista Espírita de maio de 1861, que mencionamos no início deste artigo:

“No momento de sua criação, os Espíritos não são imperfeitos senão do ponto de vista do desenvolvimento intelectual e moral, como a criança ao nascer; como o germe contido no grão da árvore. Mas não são maus por natureza. Ao mesmo tempo que neles se desenvolve a razão, o livre-arbítrio em virtude do qual escolhem uns o bom caminho e outros o mau, faz que uns cheguem ao objetivo mais cedo que outros. Mas todos, sem exceção, devem passar pelas vicissitudes da vida corpórea, a fim de adquirir a experiência e de ter o mérito da luta. Ora, nessa luta uns triunfam e outros sucumbem, mas os vencidos podem sempre reerguer-se e resgatar as suas derrotas.”

           2. O Evangelho segundo o Espiritismo, cap. XVIII, item 5 [26]:

   “Larga é a porta da perdição, porque são numerosas as paixões más e porque o maior número envereda pelo caminho do mal. É estreita a da salvação, porque a grandes esforços sobre si mesmo é obrigado o homem que a queira transpor, para vencer suas más tendências, coisa a que poucos se resignam. É o complemento da máxima: ‘Muitos são os chamados e poucos os escolhidos’.

     "Tal o estado da Humanidade terrena, porque, sendo a Terra mundo de expiação, nela predomina o mal. Quando se achar transformada, a estrada do bem será a mais frequentada. Aquelas palavras devem, pois, entender-se em sentido relativo e não em sentido absoluto. Se houvesse de ser esse o estado normal da Humanidade, teria Deus condenado à perdição a imensa maioria das suas criaturas, suposição inadmissível, desde que se reconheça que Deus é todo justiça e bondade.”

E encerramos este artigo sobre O SURGIMENTO DO MAL EM NÓS com a questão 129 do livro O que é o Espiritismo [27], evidenciando o saber admirável daqueles Espíritos que, juntamente com Kardec, nos deram o conhecimento da mais completa e perfeita filosofia da nossa humanidade:

“Deus não criou o mal; ele estabeleceu leis, e estas são sempre boas, porque ele é soberanamente bom; aquele que as observasse fielmente seria perfeitamente feliz; porém, os Espíritos, tendo seu livre-arbítrio, nem sempre as observam, e é dessa infração que provém o mal.”

 



[1] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/2/o-livro-dos-espiritos/338/parte-segunda-do-mundo-espirita-ou-mundo-dos-espiritos/capitulo-i-dos-espiritos/origem-e-natureza-dos-espiritos/81
[2]  Todos os grifos são nossos.
[3] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/895/revista-espirita-jornal-de-estudos-psicologicos-1861/4984/maio/questoes-e-problemas-diversos
[4] Conforme a q.76 OLE o Espírito (com letra E maiúscula) se refere “para designar as individualidades dos seres extracorpóreos e não mais o elemento inteligente universal (espírito)”.
[5] https://mail.kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/898/revista-espirita-jornal-de-estudos-psicologicos-1864/5539/marco
[6] https://kardecpedia.com/pt/roteiro-de-estudos/897/revista-espirita-jornal-de-estudos-psicologicos-1863/5435/junho/do-principio-da-nao-retrogradacao-do-espirito
[7] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/2/o-livro-dos-espiritos/1101/parte-terceira-das-leis-morais/capitulo-i-da-lei-divina-ou-natural/conhecimento-da-lei-natural/621
[8] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/885/o-que-e-o-espiritismo/1460/capitulo-iii-solucao-de-alguns-problemas-pela-doutrina-espirita/o-homem-durante-a-vida-terrena/127
[9]https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/888/a-genese-os-milagres-e-as-predicoes-segundo-o-espiritismo/3933/a-genese/capitulo-xi-genese-espiritual/encarnacao-dos-espiritos/23
[10] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/2/o-livro-dos-espiritos/3110/parte-terceira-das-leis-morais/capitulo-vi-5-lei-de-destruicao/crueldade/754
[11] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/901/revista-espirita-jornal-de-estudos-psicologicos-1867/6144/agosto/jean-ryzak-a-forca-do-remorso
[12] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/2/o-livro-dos-espiritos/569/parte-segunda-do-mundo-espirita-ou-mundo-dos-espiritos/capitulo-vi-da-vida-espirita/escolha-de-provas/258 
[13] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/2/o-livro-dos-espiritos/570/parte-segunda-do-mundo-espirita-ou-mundo-dos-espiritos/capitulo-vi-da-vida-espirita/escolha-de-provas/258/258-a
[14] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/887/o-evangelho-segundo-o-espiritismo/2202/capitulo-iv-ninguem-podera-ver-o-reino-de-deus-se-nao-nascer-de-novo/instrucoes-dos-espiritos/necessidades-da-encarnacao/25
[15] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/888/a-genese-os-milagres-e-as-predicoes-segundo-o-espiritismo/3934/a-genese/capitulo-xi-genese-espiritual/encarnacao-dos-espiritos/24
[16] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/2/o-livro-dos-espiritos/36/introducao-ao-estudo-da-doutrina-espirita/vi
[17] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/2/o-livro-dos-espiritos/86/parte-terceira-das-leis-morais/capitulo-v-4-lei-de-conservacao
[18] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/2/o-livro-dos-espiritos/234/parte-terceira-das-leis-morais/capitulo-xii-da-perfeicao-moral/as-paixoes
[19]   O filósofo René Descartes em seu livro AS PAIXÕES DA ALMA, define seis paixões básicas sentidas pela alma, com objetivo de relacioná-las com o grau de moralidade, mediante o seu uso. Essas seis paixões básicas são a admiração, o amor, o ódio, o desejo, a alegria e a tristeza. Descartes ainda relaciona outras paixões que derivam da intensidade e da combinação destas seis principais, em relação ao uso que é feito para o bem ou para o mal.
[20] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/2/o-livro-dos-espiritos/384/parte-segunda-do-mundo-espirita-ou-mundo-dos-espiritos/capitulo-i-dos-espiritos/progressao-dos-espiritos/122
[21] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/2/o-livro-dos-espiritos/386/parte-segunda-do-mundo-espirita-ou-mundo-dos-espiritos/capitulo-i-dos-espiritos/progressao-dos-espiritos/123
[22] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/2/o-livro-dos-espiritos/114/parte-segunda-do-mundo-espirita-ou-mundo-dos-espiritos/capitulo-i-dos-espiritos/escala-espirita
[23]  https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/888/a-genese-os-milagres-e-as-predicoes-segundo-o-espiritismo/3936/a-genese/capitulo-xi-genese-espiritual/encarnacao-dos-espiritos/26
[24] https://kardecpedia.com/busca?q=Como+sabeis%2C+cada+ser+tem+a+liberdade+do+bem+e+do+mal%2C+o+que+chamais+de+livre-arb%C3%ADtrio.+O+homem+tem+em+si+sua+consci%C3%AAncia+que+o+adverte+quando+fez+o+bem+ou+fez+o+mal
[25] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/2/o-livro-dos-espiritos/376/parte-segunda-do-mundo-espirita-ou-mundo-dos-espiritos/capitulo-i-dos-espiritos/progressao-dos-espiritos/115
[26] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/887/o-evangelho-segundo-o-espiritismo/2529/capitulo-xviii-muitos-os-chamados-poucos-os-escolhidos/a-porta-estreita/5
[27] https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/885/o-que-e-o-espiritismo/1462/capitulo-iii-solucao-de-alguns-problemas-pela-doutrina-espirita/o-homem-durante-a-vida-terrena/129

QUADRO RESUMO SOBRE OBSESSÃO/POSSESSÃO


 

 Quadro resumo baseado em 
 O LIVRO DOS MÉDIUNS, REVISTAS ESPÍRITAS e A GÊNESE: 
 


NOTA:

Algumas pessoas podem achar estranho a coluna que se refere à POSSESSÃO. Por esse motivo colocamos abaixo um link que dá acesso a um texto escrito por Allan Kardec, que se encontra na Revista Espírita de dez/1863, em que ele reconhece o fenômeno e cita dois casos para atestar e distinguir a possessão como faculdade mediúnica e a possessão como obsessão.
 
O primeiro caso é um exemplo simples da mediunidade de possessão ou, como muitos a designam, INCORPORAÇÃO. O segundo é um caso de obsessão por possessão.
 
O que distingue cada um deles? 
No primeiro, o Espírito que se comunica usa todo o corpo da médium para demonstrar sua identidade, suas emoções. É o que acontece frequentemente quando vemos médiuns assumirem a postura e gestos corporais do Espírito que se comunica, alterando a voz e, algumas vezes, mudando a aparência, caso haja o fenômeno da Transfiguração. Age apenas com o objetivo de se comunicar.
 
No segundo o Espírito age por ódio ou vingança e constrange a pessoa, dominando-a, com intenção de prejudicar. É a possessão por obsessão.

Segue o link da KARDECPEDIA onde se encontra o texto mencionado com os exemplos citados:

https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/897/revista-espirita-jornal-de-estudos-psicologicos-1863/5520/dezembro/um-caso-de-possessao-senhorita-julia

Obs.: Existem outros casos de POSSESSÃO nas Revistas Espíritas, de Allan Kardec. Basta fazer buscas na KARDECPEDIA.